E se o Brasil fosse uma colônia holandesa?

 Muita gente imagina que viveríamos em uma terra cheia de gente loira e de olhos azuis, falando holandês , adquirindo maconha em bares e professando uma religião protestante. Mas, se tomarmos como referência outros países colonizados pela Holanda, talvez as perspectivas fossem outras. O primeiro exemplo que vem à mente é a África do Sul, ocupada pelos free burghers ou bôeres, colonos que, a partir de 1652, expulsaram ou escravizaram os povos nativos. Inaugurou-se assim uma história de amor e violência, culminando com o apartheid, um rígido sistema de divisão social entre brancos e negros, oposto à mestiçagem que definiu a sociedade brasileira. Se tivéssemos sido colonizados pelos holandeses, o racismo no Brasil poderia ser ainda mais forte do que é.

 Também poderíamos ter nos transformado em um grande Suriname, basicamente uma plantação de cana-de-açúcar que os holandeses aceitaram dos ingleses, em 1667, em troca de uma então possessão sua, chamada Nova Amsterdã, hoje conhecida como Nova York. Mas seria bem pior se tivéssemos seguido o destino de outros duas ex-colônias holandesas: a Indonésia, até hoje vítima de governos extremamente autoritários e corruptos (o que não foge da realidade brasileiras) ou o Sri Lanka, antigo Ceilão dilacerado por lutas étnicas e fraticidas.

Maurício de Nassau

 A dominação holandesa do Brasil durou apenas vinte e quatro anos (1630-1654), vivendo um período de apogeu sob o comando do conde Maurício de Nassau, entre 1637 e 1644. Foi um intervalo curtíssimo dentro dos três séculos da nossa história colonial, mas conseguiu deixar marcas significativas, principalmente em Pernambuco, centro administrativo dos holandeses no território brasileiro. A maior diferença estava no fato de o governo holandês não comandar diretamente a colonização. "Essa tarefa havia sido entregue, na verdade, a uma empresa de propriedade do porto Haia, chamada Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais", afirma Alexandre Hecker, historiador da Unesp. Eles receberam não só o direito de ocupar as terras e explorá-las economicamente, como de organizar toda a vida social, política, religiosa e cultural. "Era uma verdadeira privatização geral, com todas as medidas administrativas servindo apenas ao lucro dos financiadores do projeto. Foi assim que Nassau dirigiu as terras e a população a partir de Recife", diz Hecker.


A História Natural, de Marcgraf
 Mas os holandeses também deixaram a herança cultural. "Nassau não só criou aqui o primeiro observatório astronômico das Américas, como trouxe cientistas para estudar os tipos humanos, a fauna e a flora locais, junto com pintores de altíssima qualidade para documentar tudo isso", afirma o historiador André Moysés Gaio, da Universidade Federal de Juiz de Fora. A contribuição de Frans Post (trazido por Nassau) foi além da pintura e chegou à arquitetura de Recife, com a construção de sobrados altos, canais e pontes de grande valor urbanístico. "As obras desses artistas e o planejamento urbano da capital pernambucana são considerados extraordinários para a época - e A História Natural, de Marcgraf, permaneceu a única obra referência sobre o Brasil até o século XIX", diz Ronald Ramanelli, da Universidade Federal Fluminense. Dificilmente haveria um Nassau português. Em terras lusas, as ciências e as artes estavam submetidas ao crivo da inquisição.

"Mas essas realizações eram iniciativas pessoais de Nassau, não representam um padrão de colonização holandesa, se é que isso existe" afirma André Moysés. Seu colega Ronald prefere uma comparação com outras colonizações protestantes. "Ingleses e holandeses criaram sociedades escravistas dominadas por uma minoria branca, tanto nos Estados Unidos quanto na África do Sul. Nesse último caso, mesmo com o fim do apartheid, o brancos controlam 80% das terras e das riquezas do país, apesar de não representarem mais que 10% da população. Ou seja, o país continua um barril de pólvora". 

Referência
ABRIL, Editora. E se...?/Editora Abril. - São Paulo: Abril, 2015.

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