O GOVERNO EVITA A INJUSTIÇA, MENOS A QUE ELE MESMO COMETE
O GOVERNO
EVITA A INJUSTIÇA, MENOS A QUE ELE MESMO COMETE
IBN KHALDUN
(1332-1406)
IDEOLOGIA:
Islã
FOCO:
Corrupção do poder
Descrita
pelo antropólogo britânico Ernest Gellner como a melhor definição
de governo na história da teoria política, a frase de Ibn Khaldun,
"o governo evita a injustiça, menos a que ele mesmo comete",
poderia ser tomada como um comentário cínico moderno das
instituições políticas, ou como o realismo de Maquiavel. De fato,
essa definição está no cerne de uma análise inovadora do século
XIV sobre as causas da instabilidade política.
Comunidade
construída
Diferentemente de muitos outros pensadores do seu tempo, Ibn Khaldun
assumiu uma postura histórica, sociológica e econômica para
examinar a ascensão e queda de instituições políticas. Assim como
Aristóteles, ele reconheceu que os humanos formam comunidades
sociais às quais aplicou o conceito árabe de asabiyyah –
que pode ser traduzida por "espírito comunitário",
"solidariedade de grupo" ou, simplismente, "tribalismo".
Essa coesão social chega até à instituição do Estado, cujo
propósito é proteger os interesses dos seus cidadãos e defendê-los
de ataques.
Independentemente do formato que esse governo venha a ter, ele contém
as sementes de sua própia destruição. Conforme ganha mais poder,
torna-se menos preocupado com o bem-estar de seus cidadãos e começa
a agir cada vez mais em seu interesse própio, explorando as pessoas
e gerando injustiça e desunião. Aquilo que começou como uma
instituição para evitar as injustiças, passa então a cometê-las.
A asabiyyah da comunidade diminui, amadurecendo as condições
para que outro governo surja e assuma o lugar daquele então
decadente. Civilizações surgem e se vão dessa forma, argumentou
Ibn Khuldan, num ciclo de dinastias política.
A corrupção
leva ao declínio
Ibn Khaldun
também apontou para as consequências econômicas da existência de
uma elite poderosa. No começo de uma sociedade política, os
impostos são usados apenas para suprir as necessidades de manter a
asabiyyah, mas, conforme ele fica mais civilizada, os
governantes exigem impostos maiores para manterem o seu estilo de
vida cada vez mais opulente. Essa injustiça não apenas ameaça a
unidade do Estado como também é contraproducente – a taxação
maior desencoraja a produção e leva, a longo prazo, a uma
arrecadação menor, não maior. Essa ideia foi redescoberta no
século XX pelo economista americano Arthur Laffer. As teorias de Ibn
Khaldun sobre a divisão do trabalho e a teoria do valor trabalho
também surgiram muito antes dessa "descoberta" pelos
economistas convencionais.
Apesar de
achar que o ciclo contínuo de mudanças políticas fosse inevitável,
Ibn Khaldun caracterizou algumas formas de governo como melhores que
outras. Para ele, a asabiyyah seria mais bem mantida por um
único governante, assim como o califa num Estado Islâmico (o qual
ainda possui vantagem da religião para garantir a coesão social).
Por um tirano ela não seria bem mantida. O governo, achava, seria um
mal necessário, mas já que ele implicaria uma injustiça inerente
de controlar homens por outros homens, seu poder deveria ser mantido
no mínimo.
Referências
LONGO, Rafael et al. O Livro da Política. São Paulo: Globo Editora, 2013
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